Uma história de amor – não é vilão de novela

Seu NasórioDurante o jantar a mente da Vovólima era inundada por pensamentos da sua juventude e como a sua vida havia caminhado até aquele momento. A indagação de Fabine sobre o seu Nasório havia ativado uma torrencial de informações sobre aquele senhor que tanto lhe fazia bem.

Por muitos e muitos anos, após a morte do seu esposo, Vovólima viveu e cuidou sozinha dos seus três filhos. Foram épocas muito difíceis, em que o salário do mês mal dava para sustentar os quatro e pagar as contas da casa. Mas com o tempo e a persistência, sonhos e conquistas foram alcançados. Só depois que todos os seus filhos cresceram, se formaram e foram embora de casa, que ela percebeu que estava sozinha novamente, sem ter alguém presente nas noites frias de inverno. É aí que o seu Nasório surge na sua vida.

Heitor Nasório é um simpático condutor de bonde da cidade. Ele faz a linha que liga o bairro da Vovólima ao centro. Se não fosse por obra do acaso, os dois nunca teriam se cruzado.

Em uma bela manhã de sábado, Vovólima estava de saída; ela ia ao centro visitar alguns armarinhos, comprar algumas sementes e ver se ainda havia algum tipo de chocolate que ela desconhecia. Ao se sentar em sua lambretinha vermelha -carinhosamente chamada de Zuleica ou simplesmente Zuzu- ela percebeu que ela estava muito cansada e que não queria ir ao centro. Por mais que ela tentasse, Zuzu não mexia um parafuso sequer. Sem ter outra opção, ela tomou o rumo da pracinha para pegar o bonde.

Em pouco tempo lá estava ela dentro aquele bonde negro brilhante. Ele era um cavalheiro alto e magro, muito simpático que fez questão de a ajudar a subir para dentro da condução. Como o caminho para cidade era um pouco longo e ela nunca havia pegado o bondinho para o centro, Vovólima pergunta para o condutor:

- Moço, vai demorar muito para chegar?

Com um sorriso estampado no rosto, o seu Nasório responde – “Minha jovem, faz tanto tempo que ninguém me chama de moço que eu fico até atordoado! Olha só, ainda vai demorar um pouco para chegar na cidade, mas se preocupe que você está no meu carro e aqui é o melhor lugar para estar!”

A vovó acho muito meigo aquele senhor comprido, magro e orelhudo que gesticulava muito enquanto falava. Parecia até um personagem caricato das histórias de fadas, mas estava mais para um velho príncipe vestido com sua beca impecável, composta por uma calça e paletó azuis escuros como o fundo do mar, com detalhes na gola e botões dourados, luvas tão brancas como as nuvens do céu e um quepe com um grande símbolo vermelho da companhia municipal de transportes. Em toda as paradas, ele virava para vovó, piscava os olho direito e falava “já-já chegamos!”, sempre transparecendo um ar de felicidade. Uma outra curiosidade sobre esse nobre condutor é sua estranha mania de usar assovios para indicar as partidas e paradas do bonde. Era um “fiu-fiu” para sair e um “fuuuuiii” para parar. A vovó estava achando muita graça com todo aquele teatro.

Chegando no centro, o seu Nasório prontamente desceu do bonde, erguendo a mão para aparar a descida da Vovólima, dizendo – “agora você pode descer minha jovem!” e a Vovólima respondia apenas com um tímido “‘brigada”.

Algumas horas se passaram e a Vovólima já havia terminado suas comprinhas. Comprou alguns tecidos exóticos do oriente, que possuíam o verde mais sedoso que ela já havia visto. Comprou também algumas sementes de gérberas, esperando ter em seu jardim essas lindas flores de cores tão vibrantes. Na loja central de chocolates não havia nenhum sabor novo, o que não impediu da Vovólima voltar com duas caixas de trufas meio-amargas. No ponto do bonde, ela se sentia um pouco ansiosa. Não sabia bem o porque. Sentia que estava esperando por algo que não sabia direito o que era. Não poderia ser o condutor do bonde, afinal ela o mal conhecia. Para o seu espanto, ela ficou decepcionada quando percebeu que o bonde havia chegado e que o condutor não era o mesmo da viagem de ida. Era tão diferente que ela teve que subir sozinha -cheia de caixas e pacotes na mão- os únicos dois degraus que davam acesso ao interior da condução. Voltou par casa pensando em como aquele jovem era mal educado em não ajudar uma velhinha a subir no bonde, mas logo depois seus pensamentos mergulharam na paisagem de final de tarde que cruzava ao seu lado.

No outro sábado a Zuzu estava melhor e ajudou a Vovólima em suas compras. Na hora do almoço, Vovólima estava sentada em sua mesa, comendo uma comidinha caseira do interior, quando um assovio familiar chamou a sua atenção: era o seu Nasório em pé à sua frente, com uma badeja nas mãos e com o seu quepe debaixo do braço esquerdo – “posso me sentar com a jovem?” – ele indagou – “claro!” disse a vovó.

Os dois tiveram uma conversa muito animada, regada a risos e a algumas imitações (inclusive com sonosplatia) por parte do seu Nasório. Após algum tempo, ele indagou:

- A senhora já foi até o ponto final?

- Não – Vovólima retornou

- Pois bem, se não for me atrever demais, gostaria de convidá-la a ir comigo um dia desses. Acredite em mim: você irá gostar.

Vovólima aceitou o convite e eles marcaram de ir ao ponto final no próximo sábado. Na data marcada, perto das quarto da tarde, Vovólima corria pela casa enquanto se arrumava. Ela estava usando um vestido feito com aquele lindo tecido do oriente, havia limpado os óculos com esmero e se deu o luxo de colocar um perfume bem suave que sua filha lhe trouxera do outro lado do mar.

Algum tempo depois ela estava na pracinha esperando o bonde passar e, como um relógio preciso, ele estava lá. Novamente o seu Nasório ajudou a Vovólima a subir no bonde. Desta vez, ambos estavam calados – até os típicos assovios do condutor sumiram. Depois de muitas ruas, prédios, lojas e pessoas de todos os tipos, apenas Vovólima e o seu Nasório chegaram no ponto final. O silêncio foi quebrado com o extender da mão do seu Nasório acompanhado pelo “vamos?” e os dois caminharam para uma pequena pracinha bem pertinho do ponto final. Um pouco mais a frente havia um banco de madeira, onde os dois se sentaram. Este banco não estava virado para a praça, mas para o outro lado onde era possível ver toda a cidade lá do alto.

O sol já estava começando a se por e foi aí que a Vovólima viu o que o seu Nasório queria lhe mostrar; o seu primeiro presente em muitos anos: um lindo por-do-sol.

por-do-sol

Gostaram dessa história de amor? Como ela pode continuar? Será que a vovis terá receio de se apaixonar novamente? Buzinem!!!

Um grande abraço,

.faso